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5/1/2015 08:33

Dilemas da tecnologia no futebol: as visões de quem comanda e participa dos bastidores

Futebol é mais retrógrado quando assunto é tecnologia no auxílio à arbitragem

Dilemas da tecnologia no futebol: as visões de quem comanda e participa dos bastidores
O mais popular e rico dos esportes mostra sua faceta mais retrógrada quando o assunto é tecnologia no auxílio à arbitragem. Instituições conservadoras, tanto a Fifa quanto a International Board (IFAB) – associação que regulamenta as regras do futebol – são relutantes em aprovar a presença de modernos sistemas para diminuir os erros e facilitar a vida dos juízes.

Em uma série de reportagens, o Superesportes vai expor o atraso do esporte bretão, que, diferentemente de outras modalidades (tênis, natação, basquete...) ainda se mantém distante da era high-tech. Traremos o pensamento dos homens que comandam a arbitragem e os bastidores dos painéis nos quais se reúnem os mais influentes dirigentes mundiais. Mostraremos também como um mineiro de Ituiutaba batalhou 12 anos nos bastidores do futebol para aprovar um simples sistema como o spray para controlar a barreira, indispensável nos jogos de hoje.

Desde a criação das primeiras regras, as mudanças sempre caminharam a passos lentos no futebol. Embora tenha adotado a "Tecnologia da Linha de Gol" (Goal Line Technology, em inglês) na última Copa do Mundo, a Fifa ainda tem dificuldades de tratar o tema. Discussões são abertas na International Board, órgão instituído a fim de elaborar regras fundamentais do futebol, mas a morosidade no andamento e a rejeição de propostas vanguardistas emperram novidades na área tecnológica.

O receio maior é descaracterizar o esporte. "Seguimos protegendo e preservando o futebol, cuja essência sempre foi a simplicidade", disse a assessoria da Fifa em contato com a reportagem.

A discussão sobre o tema, contudo, existe. No último painel consultivo da International Board (IFAB), as mudanças tecnológicas estiveram na pauta dos membros da entidade e dos representantes das confederações (UEFA, CONMEBOL, CONCACAF, CAF, AFC e OFC ), que participam como convidados. As reuniões ocorreram no Hotel Europa, em Belfast, na Irlanda do Norte, nos dias 24 e 25 de novembro de 2014.

Em qualquer caso ligado a trocas nas regras, a posição da International Board sempre é soberana. Por mais que a Fifa tente implantar novidades em algum de seus torneios, a disseminação de novas tecnologias se dará apenas com a anuência da Board.

Membro do painel técnico consultivo da IFAB na América do Sul, o ex-árbitro brasileiro Manoel Serapião Filho participou dos últimos debates em Belfast. Em uma sala de convenções do mais requintado hotel da capital norte irlandesa foi apresentada aos participantes uma gama de possibilidades do uso tecnológico no futebol.


Os participantes votaram nas opções oferecidas (da utilização da tecnologia em qualquer momento da partida à permissão apenas em lances capitais) e os que acharam necessário, fizeram observações. A maioria recomendou o uso de equipamentos com parcimônia, em momentos chaves do jogo. Esse debate, contudo, ainda é embrionário. Não há nenhuma demonstração concreta de evolução para os próximos anos.

Para que novidades na área cheguem aos campos de todo mundo, a IFAB deve ter um projeto claro em mãos para abrir uma votação na Assembleia Geral Anual (AGA), que normalmente ocorre em fevereiro ou março. Pelo menos seis dos oito votos devem ser favoráveis. O sistema de deliberação do órgão prevê quatro votos à FIFA e quatro divididos entre Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda.

"A International Board, depois de 129 anos, abriu a possibilidade de ouvir representantes dos continentes. Isso já mostrou o conservadorismo da instituição, mas foi uma evolução. Foi aberto um painel para analisar os aspectos para uma possível mudança tecnológica. Os membros da Board escutaram, fizeram um sumário e um relatório do que foi discutido. Em seguida, eles irão levar para a reunião na corte e colocarão, ou não, em votação. Mas as discussões ainda estão em uma fase bem rudimentar", explica Serapião.

Ao que parece, as cabeças de muitos continuam fechadas para mudança significativas. "Eles têm suas convicções, têm suas filosofias. Para eles serem vencidos é necessário que haja argumentos fortes". Mas, depois do sucesso do sistema da linha do gol na Copa do Mundo, o uso da tecnologia ganhou um aliado de peso. Serapião diz que é forte, nos bastidores, o interesse do presidente da Fifa, Joseph Blatter, na aprovação de novos testes.

O mandatário quer implantar nos futuros campeonatos mundiais sub-20 o uso do desafio, caso parecido com o que é visto no tênis. O técnico pode pedir ao árbitro para rever o lance em um monitor a fim de ratificar, ou não, a decisão anterior.

PENSAMENTO RETRÓGRADO

Os responsáveis pelo futebol no Brasil olham com muitas ressalvas para as novas tecnologias. Embora as arenas da Copa do Mundo estejam prontas para receber, por exemplo, a tecnologia do gol, a CBF descartou seu uso. A principal justificativa é o preço do sistema, considerado alto - cerca de R$ 10 mil por partida.

Até quem, em tese, deveria cobrar novidades para melhorar a vida dos árbitros, tão criticados nos últimos anos pelo excesso de erros, adota uma posição conservadora. O presidente da Comissão Nacional de Arbitragem, Sérgio Corrêa, é contra o auxílio de máquinas.

“Por um lado, a tecnologia vai melhorar o futebol, mas, por outro, vai tirar toda emoção do esporte. O que movimenta o esporte é essa discussão gerada. Sem ela, fica tudo muito chato. Eu, pessoalmente, sou contra. Daqui alguns anos eles vão querer tirar o árbitro de campo e colocar um drone, uma máquina qualquer. As pessoas buscam perfeição onde nunca vai existir”, observou.

Para Corrêa, a saída está em outro campo. Ele entende que é necessário maior investimento na formação dos árbitros. “A gente tem um trabalho dificultado porque nosso país é de tamanho continental. Mas estamos com os critérios aproximados. As informações e recomendações chegam em qualquer rincão do país. Estamos buscando treinamentos adequados para os árbitros, instrutores atualizados, acho que estamos em um ótimo caminho, com uma safra boa”, pontuou, antes de responsabilizar a crítica deformada pela imagem ruim que têm os árbitros brasileiros.

“O que me irrita muito são jornalistas que não entendem nada de arbitragem falar que a arbitragem brasileira é ruim. Respeito os ex-árbitros, mas os comentaristas não sabem nada, são despreparados. Todos estamos sujeitos a erros. Os árbitros erram, mas erram bem menos que os próprios jornalistas e que os jogadores em campo. Se o atacante erra um gol na cara e o árbitro erra em uma marcação, o assunto é o árbitro”, critica.

ARBITRAGEM INTERPRETATIVA

O futebol conserva peculiaridades únicas. Parte das 17 regras são interpretativas, mudam de acordo com o lance e com o que pensa cada árbitro em cada situação. São características diferentes da maioria dos outros esportes, como tênis, vôlei e basquete. Logo, na essência das normas, o futebol conserva um alto grau de subjetividade.

Uma jogada, por exemplo, pode ser entendida como normal por um árbitro e como irregular para outro. A bola na mão ou mão na bola é um dos momentos mais polêmicos. No Campeonato Brasileiro de 2014, uma confusão tomou conta do noticiário. Por causa da nova recomendação da Fifa de adotar maior rigor na avaliações, os árbitros se equivocaram em muitos lances. A entidade máxima do esporte, contudo, declarou que as medidas tomadas no Brasil não estão de acordo com o que foi pedido. A CBF chegou a fazer uma reunião às pressas com instrutores, capitães de alguns clubes da Série A e o instrutor da Fifa Jorge Larrionda para redefinir os parâmetros. Muito barulho por nada, já que a regra continuou exatamente a mesma - infração apenas o toque deliberado, que visa ampliar ao espaço do corpo.

Por mais tecnologia que disponha, a arbitragem nesse esporte sempre será discutida. Mas é possível diminuir os erros, que infestam o futebol. Lances menos interpretativos, como o impedimento, podem deixar de ser uma dor de cabeça para os bandeirinhas. Uma simples revisão da imagem já seria o suficiente.

A necessidade do replay é tanta que em alguns casos o impedimento é considerado humanamente impossível de ser marcado com convicção. Em estudo realizado pelo médico espanhol Francisco Belda Maruenda e publicado no British Medical Journal, em 2004, ficou comprovado que o impedimento se dá em uma rapidez enorme e que o processo vai além da capacidade do olho humano.

Os bandeirinhas precisam monitorar a bola, o lançador e o receptor do passe e pelo menos dois defensores simultaneamente para verificarem um caso de impedimento. O médico sugeriu a mudança na regra para a incorporação de imagens de TV.

No entanto, os críticos argumentam que prejudicaria a dinâmica do jogo. "Eu acho horrível para o jogo. Vai parar tudo, demorar um tempo para ver se estava em impedimento. O torcedor não saberá se comemora ou se espera o replay, vai ser muito estranho", opina o presidente da Comissão Nacional de Arbitragem, Sérgio Corrêa.

Mas é possível que os benefícios superem eventuais transtornos. Quem defende com fervor essa mudança é o membro do painel da International Board, Manoel Serapião Filho, baseando-se nos pilares da ética, justiça e legitimidade. "A tecnologia deixa o esporte mais ético porque os jogadores não vão simular e não vão mais pressionar a arbitragem, assim haverá também menos punições. O futebol será mais justo porque não haverá tantos erros e será mais legítimo, sem os gols irregulares. A tecnologia vai tirar do futebol também esse carma da malandragem, que é péssimo e só prejudica o esporte. E o maior beneficio é a formação de atletas mais dignos, que caminharão dentro da legalidade", explica.

Um dos brasileiros que mais estudam o assunto, Serapião é autor de um dos muitos projetos apresentados à Fifa sobre tecnologia no auxílio à arbitragem. Sua forma de atuação seria a "designação de um assistente de vídeo com atribuição de corrigir erros técnicos e/ou disciplinares claros, indiscutíveis de arbitragem (inclusive sobre fatos não vistos), que possam alterar diretamente o resultado ou o desenvolvimento das partidas. O sistema terá imagem televisiva simultânea e com possibilidade de imediato replay, gerada por câmeras distribuídas estrategicamente". Seu projeto deve estar engavetado em uma das salas dos dirigentes da Fifa.

1281 visitas - Fonte: Superesportes.com.br




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