1/12/2015 10:32
Se optar pela China, Mano trairá as próprias convicções
Mano Menezes tem a chance de demonstrar uma coerência rara no futebol brasileiro
É bom ressaltar logo de cara que Mano Menezes fez mais do que se esperava e se exigia dele em três meses de trabalho. Com o Cruzeiro caindo pelas tabelas e cada vez menos com perspectiva de melhora, o treinador primeiro aceitou o desafio de assumir um time grande em um momento complicado e, segundo, deu logo uma cara de time para a equipe, conquistou rapidamente os pontos que eram necessários e deu ao clube uma tranquilidade que torcedor nenhum botava fé que viria tão cedo.
Dito isto, é preciso puxar o papo para um terreno mais arenoso. O ótimo início de trabalho no Cruzeiro fez com que Mano saísse do limbo para a prateleira de cima em 90 dias, como o próprio ressaltou em um programa de TV ontem. Se por um lado o treinador ajudou o Cruzeiro, ele também foi ajudado pelo clube nesse início de processo de retomada de sua carreira, que inclui um longo período sabático no qual ele buscou por novos conceitos e filosofias em cursos promovidos pela UEFA.
E é justamente esse contexto que pesa contra uma possível saída de Mano para a China, um mercado onde o importante é apenas a parte econômica. O treinador tem sido um dos mais críticos do sistema que sucumbiu o futebol brasileiro, ainda mais depois destes seus novos estudos na Europa. Por mais que Mano tenha parecido constatar o óbvio, ele tem muita razão ao dizer que nosso futebol tem um calendário ruim, a maioria dos dirigentes é irresponsável, a economia é um problema e a filosofia é falha e arcaica.
Mano voltou destes seus estudos na Europa reclamando especialmente que os clubes daqui não oferecem projetos interessantes aos treinadores. E que este foi um dos motivos por aceitar o Cruzeiro. Além do peso da camisa, Mano se viu motivado a botar em prática seus novos conceitos e sua nova filosofia de se pensar futebol. Viu no Cruzeiro um clube estruturado, que paga em dia, e com estrutura suficiente para se aplicar todo esse novo conhecimento não apenas em prol da instituição, mas também do futebol brasileiro como um todo.
Desde semana passada, há um clima esquisito no ar. Tão logo apareceram os primeiros rumores de uma possível saída para o futebol chinês, Mano passou a dar respostas evasivas em suas entrevistas. Na mesa, muita grana versus discurso. O torcedor do Cruzeiro, ao mesmo tempo em que se apega a uma possível coerência de Mano em tudo que ele pregou, clamou e reclamou nos últimos meses, no sentido de querer mostrar seu trabalho em um projeto de longo prazo, também fica na dúvida se o treinador não será apenas mais um a trocar um plano de carreira pelos milhões de dólares de um mercado insignificante.
Quando completou um mês de Cruzeiro, Mano Menezes concedeu uma entrevista exclusiva ao portal mineiro Superesportes, do jornal O Estado de Minas. Ao ser indagado se tinha ambição em trabalhar na Europa, o treinador citou que diversos mercados periféricos estavam sendo preparados para receber treinadores de fora. Mas ressaltou: “Nunca fui um técnico que acha que tem de sair a qualquer custo. Não acho que acrescente ao técnico brasileiro ir para qualquer lugar. Se for para um nível muito baixo, receberá excelente salário, mas não terá condições de fazer um trabalho que te projete como técnico no mundo, que acho que é o mais importante”.
Ironicamente, dois meses depois Mano se vê diante de um conflito entre seu bolso e sua coerência. E só ele é quem pode decidir seu futuro. Uma saída abrupta seria ruim para o Cruzeiro e para o próprio treinador, que, ao se esconder atrás de milhões de dólares na China, estaria rasgando seu tão alardeado diploma da UEFA e contrariando seu próprio discurso, que passa a perder parte considerável de fundamento dependendo da sua decisão.
Mano ainda é um treinador jovem, capacitado, que invariavelmente terá oportunidades de fazer seu pé de meia (mais ainda) em mercados como a China em alguns anos. Tudo bem que deve ser difícil ser racional com uma proposta financeira três vezes maior do que se ganha atualmente. Mas, pelo que ele escolheu e planejou em termos de preparação para sua carreira em 2015, não bate.
Diversos profissionais sempre falam que é preciso refletir sobre mudanças no futebol brasileiro. O difícil é aparecer alguém que dê o primeiro passo.
Como diz a música: "você pode ter tudo, mas quanto você quer?"
1632 visitas - Fonte: ESPN