Marcos e Alex em uma das diversas reuniões para tratar do livro
Após mais de duas décadas desfilando talento nos gramados e deixando um raro legado para o mundo da bola, o craque Alex continua em pauta não apenas por seus comentários e opiniões nos canais ESPN.
Ídolo no Coritiba, Palmeiras, Cruzeiro e Fenerbahce, o meia que virou até estátua na Turquia tem sua vida contada em “Alex, a Biografia” (Ed. Planeta Brasil; 256 páginas), livro já disponível nas lojas e que ganha festa de lançamento em Belo Horizonte nesta quinta-feira, 19 de novembro, no Itatiaia Rádio Bar (Rua Pium-í, 620 – Carmo).
Se nos campos Alex tabelou com outros craques como Evair e Aristizábal, fora dele construiu uma nova e importante parceria com Marcos Eduardo Neves, escritor e jornalista carioca, apaixonado por futebol e admirador de biografias.
A nova obra é a oitava publicação de Neves, a terceira dedicada a um ex-jogador de futebol. Antes do Talento Azul, Marcos contou as histórias de Heleno e Renato Gaúcho, ambos do tipo galãs, mulherengos e temperamentais.
Em seu novo desafio, o escritor se deparou com um perfil diferente. Avesso aos holofotes e longe dos estereótipos que marcam a maioria dos jogadores de futebol, Alex rendeu ao livro histórias que talvez nem amigos próximos sabiam. Até agora. “Sua carreira não foi um livro aberto. Será agora para o leitor que comprar a obra. Muita gente que tem uma imagem errada sobre ele vai se surpreender”, avisa Marcos Eduardo Neves, em entrevista exclusiva ao blog Trem Azul.
"Alex considera que o seu apogeu aconteceu no Cruzeiro. Nunca jogou tanta bola. Minas Gerais jamais sairá do seu coração", revela o autor
Sei que o futebol e a escrita estão entre suas maiores paixões. Como foi unir estes dois universos a partir de personagens do mundo da bola?
Marcos Eduardo Neves: É talvez a forma que encontrei para fazer parte deste mundo. Às vezes me sinto um jogador a entrar para uma partida decisiva, outras vezes passo por problemas de vestiário, ou sofro a tensão antes de chegar junto para cobrar algo de um dirigente. Quando somos biógrafos, vivenciamos um pouquinho do que é aquele meio, descobrimos seus subterrâneos e profundezas.
Biografias costumam ser um terreno arenoso para escritores, principalmente no Brasil. Você tem alguma explicação para sua predileção por escrever este tipo de obra?
Marcos: Tudo começou quando ganhei um segundo livro do Ruy Castro, O Anjo Pornográfico, sobre Nelson Rodrigues. Já tinha lido Estrela Solitária, a biografia do Garrincha. Terminei meu quarteto fantástico com Chatô, O Rei do Brasil, do Fernando Morais, e Notícias do Planalto, do Mário Sérgio Conti. Nisso, resolvi: quero ser escritor, mas de grandes reportagens. Quero mostrar um personagem, e com riqueza de pesquisa, por meio de depoimentos testemunhais ou com o recurso de arquivos.
É comum a polêmica sobre biografias autorizadas e não-autorizadas, especialmente quando os protagonistas são personalidades famosas. O que você pensa sobre o assunto?
Marcos: Penso que biógrafo não é vampiro da fama alheia. Ele tem o direito constitucional de trabalhar com liberdade. Todo personagem público que desperte curiosidade, a meu ver, é cultura, é história. A história de um país não se faz com homens e livros? Agora, se o escritor ou jornalista for imprudente, tem que arcar com as consequências. Sintetizando: entendo que as biografias têm de ser liberadas, mas o biógrafo igualmente deve ser punido, até mesmo na esfera civil, caso seja leviano ou venal com o personagem. O que é muito difícil de acontecer, até porque o livro precisa passar pelo crivo de uma editora.
Alex é o terceiro jogador que você biografa. Como surgiu a oportunidade de escrever sobre ele?
Marcos: Certo dia o Ruy Castro me ligou e perguntou se me interessava biografar o Alex. Disse que sim, e ele avisou que tinha acabado de me indicar para o staff que estava buscando viabilizar a biografia do jogador. No primeiro almoço com Alex, nossos santos bateram. Somos contemporâneos, acompanhei toda a sua carreira e tive o privilégio de escrever sobre a história de alguém tão bem sucedido dentro de campo e correto e inteligente fora.
Durante toda a carreira, Alex foi referência técnica e líder em suas equipes, mas fora de campo se notabilizou por ser uma figura discreta e avessa ao estereótipo que se criou sobre os boleiros. Você acredita que este perfil pode ter sido um diferencial para a obra?
Marcos: Com certeza, porque sua carreira não foi um livro aberto. Será agora para o leitor que comprar a obra. Alex não espalhava suas particularidades, principalmente seus dramas pessoais, como muitos fazem. Muita gente que tem uma imagem errada sobre ele vai se surpreender.
Por mais que seja discreto, Alex costuma ser um cara autêntico em suas entrevistas, com opiniões firmes e bastante autocrítica. No período em que vocês levantaram material para o livro, algum fato ou passagem da carreira dele em especial lhe chamou a atenção? Alguma declaração lhe deixou surpreso?
Marcos: Certa vez, decidi entrevistar um técnico que acreditava que o Alex o teria derrubado de um clube. Minha ida foi autorizada – aliás, o Alex nunca me censurou, me deu autonomia para entrevistar quem eu quisesse, inclusive seus desafetos declarados. Pois bem. O técnico em questão me negou a entrevista: “Sobre esse mau caráter, não falo”. Contei a Alex essa frase e ele imediatamente disse: “Pode colocá-la no livro”. Ele apenas deu a sua versão; o que o treinador se negou, acreditando que eu não poria. Mas colocaria sim.
Você acompanhou de perto a idolatria dos turcos pelo Alex. Como jornalista, escritor e amante do futebol, você consegue dimensionar o tamanho da loucura que os turcos têm por ele?
Marcos: É um sentimento de encanto e gratidão como Nápoles tem por Maradona. O nível de excelência que Alex atingiu no Cruzeiro, ele levou para os turcos aplaudirem por oito anos. Alex se pergunta por que ganhou uma estátua em Istambul. Os turcos se perguntam por que ele foi jogar lá, e não na Espanha, Itália ou Alemanha.
Esta é sua terceira biografia para um ex-jogador de futebol. No entanto, você pode acompanhar de perto os últimos passos de Alex dentro de campo, diferentemente de Heleno e Renato Gaúcho. O fato de você acompanhar parte da história in loco rendeu algo de diferente em relação aos outros dois livros?
Marcos: Rendeu, sim. Por exemplo, em alguns momentos meu texto me traz como personagem, em primeira pessoa. É muito louco, digo mais, muito raro acontecer isso num livro biográfico. Mas a questão é que o Alex me colocou na cara do gol. Houve momentos que, para explicar ao leitor um fato, só eu mesmo poderia contá-lo.
Alex está entre os maiores ídolos da história do Cruzeiro e foi do inferno ao céu em suas duas passagens pelo clube entre 2001 e 2004. Que tipo de sensação você conseguiu captar dele em relação à história que ele cultivou em Minas Gerais?
Marcos: Ele considera que o seu apogeu aconteceu no Cruzeiro. Nunca jogou tanta bola. Minas Gerais jamais sairá do seu coração. Do terror da primeira passagem, de certa maneira atrapalhada por questões jurídicas, em 2001, ao esplendor de 2003, houve uma reviravolta tão brilhante, a meu ver, quanto a do Ronaldo em 2002. Claro, Ronaldo deu a volta por cima na seleção. Já Alex de vilão se tornou o gênio de uma mágica Tríplice Coroa.
Sei que Renato Gaúcho é um de seus ídolos e você sempre quis contar a história dele. Depois de Alex, já tem algum outro personagem do mundo da bola em mente?
Marcos: Nunca escondi que personagens polêmicos, como Edmundo, Paulo César Caju, Leão ou Nei Conceição, caso se abrissem, dariam grandes livros. Mas após o “efeito Alex”, investiria com igual satisfação num mergulho sobre jogadores diferenciados fora de campo também, como Juninho Pernambucano ou Loco Abreu. Até porque o público que consome livro não quer saber apenas do jogo.
256 páginas depois, você consegue traçar um paralelo entre o Alex que você conheceu antes e passou a conhecer após a conclusão do livro?
Marcos: Descobri que não conhecia o Alex. Conheci-o no processo e hoje tenho orgulho de sua amizade. O que eu pensava dele mudou completamente. Aprendi que não se deve prejulgar ninguém de acordo com o que vemos na mídia. Alex, para muitos, soa um tom blasé. Mas, na intimidade, é um cara divertidíssimo, alto astral. Como diz uma música que o Fagner gravou junto ao Zeca Baleiro para homenageá-lo, “é fera em campo e no lar é relax”.
Trecho de "Alex, a Biografia"
"No Rio, o Vanderlei perdeu o Edu Dracena e o Thiago por cartões amarelos. Irritado, invadiu o campo para xingar o Carlos Eugênio Simon. Ao fim do jogo, discordei, pô, Vanderlei, o Simon apitou bem. Ele respondeu que havia feito aquilo para desviar o foco, pois não teria quem colocar na zaga. O Luisão vinha de lesão e o Gladstone era juvenil, nunca tinha jogado.
Ele teve dois dias para quebrar a cabeça. Reuniu a gente, disse que pensava em colocar o volante Jardel, mas não o poria para não improvisar dois jogadores em duas posições, o que é temerário. O Aristizábal, um dos líderes do elenco, perguntou se o menino, o Gladstone, era mesmo bom. A gente não o tinha visto jogar; só o Luxemburgo, na base. Quando o Vanderlei gesticulou que sim, o Ari falou para colocá-lo – os mais velhos segurariam a onda dele. O Luxa chamou o garoto e avisou, você vai para o jogo.
Na concentração, os mais experientes, em vez de ajudar, começaram a pilhar o rapaz. Falavam da responsabilidade de estrear numa final com Mineirão lotado e podendo entrar no pôster. No estádio, na preleção, o Vanderlei entregou um pacotinho a cada jogador e dois para o Gladstone: um fininho, igual ao nosso, e outro mais cheinho. Mandou todo mundo abrir o seu. Eram faixas de campeão, daquelas que os camelôs vendem antes da final.
O Vanderlei mandou todos colocarem a faixa no peito, menos o Gladstone. Colocamos, e só aí ele virou para o moleque e o mandou abrir o pacote maior. Era uma fralda. O garoto ficou com a faixa na mão e uma fralda na outra. O Vanderlei emendou, você escolhe, ou se caga todo ou sai daqui campeão. Na hora, o Aristizábal pegou a fralda da mão dele e a tacou na parede garantindo que ele tinha nascido para ser campeão. A preleção acabou e fomos para o jogo. Metemos 3 a 1 no Flamengo. Dei assistências para os três gols. Depois do título mineiro, éramos campeões da Copa do Brasil.”
Alex e Marcos Eduardo Neves lançam livro nesta quinta-feira, 19/11, em Belo Horizonte