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15/11/2015 10:24

Técnicos promissores perdem prestígio com demissões em série e má gestão da carreira

Pressão por resultados a curto prazo e escolhas erradas minam bons profissionais

Técnicos promissores perdem prestígio com demissões em série e má gestão da carreira
Thiago Madureira /Superesportes

As trajetórias deles se desenharam com os mesmos traços: início promissor, com bons trabalhos, mas a sequência da carreira encontrou obstáculos e seguidas demissões. Uma consequência dessa oscilação foi a perda de prestígio no mercado. O futebol brasileiro é recheado de casos de treinadores que despontam como ‘grandes estrategistas’, mas que, aos poucos, perdem fôlego e não conseguem alcançar patamar mais elevado.

Adilson Batista, Enderson Moreira, Ney Franco, Cristóvão Borges, Renato Gaúcho, Vagner Mancini... a lista é longa. Profissionais que, ainda buscando uma vaga entre os mais renomados, sofrem com a política quase amadora do futebol brasileiro de demissões. Como se não bastasse, muitos treinadores admitem gestão equivocada da própria carreira.

Recém-demitido do Coritiba, Ney Franco, questionado por causa dos últimos trabalhos, embora dono de títulos importantes, avalia esse momento como oportuno para ganhar maturidade e crescer. Ele acredita que todo técnico passa por essa situação e cita o exemplo de Tite, hoje apontado como o melhor do país. O virtual campeão brasileiro já viveu dias de baixa.

“É um mercado muito competitivo, e nele, os treinadores dependem de resultados imediatos. Hoje, se você for avaliar qual é o melhor treinador do futebol brasileiro, grande parte apontaria o Tite. Mas ele também passou por momentos de dúvidas e turbulência. Passou por um momento complicado no Atlético, e o time acabou caindo para a Segunda Divisão. Ele ainda teve momentos irregulares em sua passagem pelo Palmeiras. Esses são momentos de turbulência, hora de pegar experiência. Uma prova de fogo para os grandes treinadores. Estou passando por esse momento agora. E a gente sabe que pode crescer, que pode fazer um novo trabalho. Como qualquer profissional você passa por momentos difíceis. O treinador vive tanto em cima de resultados que sempre é colocado em dúvida. Tudo está muito relacionado a resultados, e resultados não dependem apenas dos treinadores, dependem de estrutura, jogadores, dirigentes. Mas, no fim, cai tudo no colo do treinador”, analisa Ney.

O momento é de reflexão para Ney Franco, que decidiu tirar um ano ‘sabático’. As últimas duas temporadas dele (2014 e 2015) foram intensas. Crises, momentos turbulentos, demissões, escolhas erradas. Agora, vai estudar. “Estou passando alguns dias em casa, em São Paulo, depois que deixei Curitiba. Dia 15 de dezembro eu deixo o Brasil e fico o primeiro semestre em uma universidade da Flórida, nos Estados Unidos. Fica em uma cidade próxima a Orlando. Quero voltar a esse meu habitat acadêmico. Quero voltar a viver isso, respirar novos ares. E não vou para ficar assistindo a treino, não. Vou para estudar, melhorar meu inglês e por isso escolhi uma universidade. O planejamento é ficar por lá os seis primeiros meses”. Depois, a meta de Franco é ir para a Europa fazer estágios.

Outro que também vive momento de dúvida é Adilson Batista. Ele fez grande trabalho no Cruzeiro entre 2008 e 2010, mas depois se perdeu. Passou por grandes clubes como Corinthians, Santos, Atlético-PR, São Paulo e Vasco, e não conseguiu se firmar. Adilson enxerga o problema de forma mais ampla. Pensa que a falta de educação no Brasil atinge em cheio o futebol.

“O problema nosso é questão de educação do país. Falta educação em todos os setores. O dirigente não tem compreensão com o trabalho, é muita pressão por resultado, uma série de fatores. Eles (cartolas) nos prometem uma coisa, mas cumprem outra. Quando fui para o Figueirense me prometeram cinco jogadores de R$ 100 mil (de salário) para reforçar o time. Não chegou ninguém. O time não dá estrutura, não dá condição, e só o treinador é responsável?”, questiona.

Para Adilson, também falta convicção dos dirigentes. Isso, segundo ele, prejudica o trabalho dos treinadores que ainda não têm grande cartaz. “Veja o caso do Doriva, que tinha começado agora no São Paulo. Demitiram o Doriva sem deixá-lo trabalhar. Isso é uma falta de respeito com o profissional. O Ricardo Drubscky ficou três meses no Fluminense. Tem que entender que muitas vezes não temos tempo para corrigir os erros, são jogos em sequência”, frisou.

Adilson também vê certa parcela de responsabilidade no direcionamento de carreira dos próprios treinadores. Ele entende que errou ao sair do Cruzeiro, onde tinha mais reconhecimento e autonomia. “Eu me arrependo de ter saído do Cruzeiro. Eu sempre perdia zagueiro, lateral, atacante, mas a gente sempre conseguia montar um grande time. O trabalho foi muito bem-feito. Quando deixei o Cruzeiro, recebi muitos convites. Assumi o Corinthians, fiquei poucos jogos. Na sequência, me ligaram do Santos, e como eu digo não? Perdi um jogo e fui mandado embora. No Atlético-PR, por exemplo, tinha um time ruim. Aceitei pelo convite do Walmor (Zimermann, ex-presidente), meu padrinho de casamento. Aceitei a proposta, mas deixei o time em pouco tempo".

Depois de fazer bons trabalhos no Goiás (2011-2013) e no Grêmio (2013-2014), o técnico Enderson Moreira voltou algumas casas após a fraca temporada 2015. Enderson passou por três clubes neste ano (Santos, Atlético-PR e Fluminense). O grande erro, segundo ele, foi a passagem pelo Furacão. “No Atlético–PR, a gente viu cenário caótico, mas com perspectiva de mudança. Fizemos cinco contratações no período. O time depois encaixou. No Santos fiz um bom início, mas os dirigentes resolveram mudar, entenderam que era melhor. No Fluminense, o que pesou foi a expectativa por causa do Ronaldinho. Acabou que a contratação não deu certo e o time não cresceu mesmo com a minha saída”.

Após deixar o Fluminense, em setembro, Enderson rejeitou três boas propostas para evitar de ficar marcado no mercado.“Isso é, na minha opinião, gestão de carreira. Se assumisse, iria assinar o trabalho de outros profissionais. Agora é hora de me afastar e esperar um pouco. Mas já penso em voltar a treinar no ano que vem, com um bom projeto”, frisou o treinador.

Experientes em momento problemático

Até os técnicos mais experientes também passam por momentos problemáticos. Pentacampeão brasileiro, Vanderlei Luxemburgo, por exemplo, perdeu prestígio no Brasil após resultados ruins em grandes clubes, como Fluminense, Flamengo e Cruzeiro. Hoje, sem espaço no Brasil, assumiu o Tianjin Songjiang, da Segunda Divisão Chinesa. “Os grandes treinadores também passam por isso. Ainda existe muita desconfiança de quem está no início da carreira, não temos o respaldo de outros. Mas até os mais vitoriosos, como o Luxemburgo, estão sofrendo com essa pressão do mercado”, comenta Ney Franco.

Depois de passar por fase de afirmação, o técnico Mano Menezes está entre os considerados treinadores de ponta do Brasil. O comandante do Cruzeiro entende que muitas carreiras perdem credibilidade quando as coisas não vão bem do segundo trabalho em diante. Por isso, é importante ter visão de carreira e fazer as escolhas certas.

Em 2008, ele tinha a chance de assumir o Cruzeiro, que disputaria a Libertadores, e o Corinthians, recém-rebaixado. A opção foi pelo segundo por conta da chance de ter sucesso imediato com o acesso à Série A . E foi o que aconteceu. Com isso, ganhou prestígio nacional.

“O que pesou na balança na escolha entre Cruzeiro e Corinthians, em 2008, foi visão de carreira. Era o primeiro trabalho fora do Rio Grande do Sul e era importantíssimo que esse trabalho produzisse resultado. Futebol é assim, você pode aparecer bem, muitos técnicos foram assim no primeiro trabalho, mas essa ultrapassagem é muito dura. E no segundo trabalho ter continuidade na evolução era importante. No Corinthians a possibilidade era muito maior disso acontecer, num clube que ia jogar a Série B, que tinha estrutura, que apontava com quase 100% para subir de divisão. A visão foi exatamente essa. Na época, foi assim que a gente viu. Minha resposta negativa ao Cruzeiro foi baseada nisso. Almocei com o Alvimar (então presidente do clube) e Zezé (vice-presidente de futebol), para agradecer o convite e dizer que escolheria o Corinthians, porque achava isso importante em termos de carreira, e dizer que um dia iríamos nos encontrar", frisou Mano.

VEJA A TRAJETÓRIA DE TÉCNICOS COM CARREIRA DESGASTADA:

Adílson Baptista – Nove clubes nos últimos cinco anos
2008/2009/2010 - Cruzeiro (Ápice) – Bicampeão mineiro e vice-campeão da Libertadores
2010 – Corinthians
2010/2011 – Santos
2011 – Atlético-PR
2011 – São Paulo
2012 – Atlético-GO
2013 – Figueirense
2013/2014 – Vasco
2015 – Joinville-SC

Enderson Moreira – Três clubes em 2015
2011 - Fluminense
2011/2013 – Goiás (Ápice) – Bicampeão goiano e campeão da Série B
2013/2014 - Grêmio
2014/2015 – Santos
2015 – Atlético-PR
2015 – Fluminense

Doriva – Três clubes em 2015
2013/2014 – Ituano (Ápice) – Campeão paulista
2015 – Vasco (Ápice) – Campeão carioca
2015 – Ponte Preta
2015 – São Paulo

Ney Franco – Quatro clubes nos últimos dois anos
2004/2006 – Ipatinga (Ápice) – Campeão mineiro de 2005
2006/2007 – Flamengo (Ápice) – Campeão da Copa do Brasil de 2006 e Carioca 2007
2007/2008 - Atlético-PR
2008/2009 – Botafogo – Campeão da Taça Guanabara 2009
2009/2010 – Coritiba – Campeão da Série B e Paranaense de 2010
2010-2012 - Seleção Brasileira (Ápice) – Campeão Sul-Americano e Mundial 2011
2012/2013 - São Paulo – Copa Sul-Americana 2012
2013/2014 – Vitória
2014 – Flamengo
2014 – Vitória
2015 – Coritiba

Cristóvão Borges – Três clubes em 2015
2011/2012 – Vasco (Ápice) – Vice-campeão brasileiro de 2011
2013 - Bahia
2014/2015 - Fluminense
2015 - Flamengo
2015 - Atlético-PR

Vagner Mancini
2004/2005 - Paulista (Ápice) - Campeão da Copa do Brasil
2008 - Grêmio
2008/2009 - Vitória
2009 - Santos
2010 - Vasco
2010 - Guarani
2011 - Ceará
2011/ 2012 - Cruzeiro
2012 - Sport
2013 - Náutico
2013 - Atlético-PR
2014 - Botafogo
2015 - Vitória

Renato Gaúcho (há um ano fora do mercado)
2007-2008 – Fluminense (Ápice) – Campeão da Copa do Brasil de 2007 e vice da Libertadores em 2008
2008 – Vasco
2009 – Fluminense
2010 – Bahia
2010-11 – Grêmio
2011 – Atlético Paranaense
2013 – Grêmio – Vice-campeão brasileiro em 2013
2014 – Fluminense

Gilson Kleina
2012/14 – Palmeiras (Ápice) – Campeão da Série B em 2013
2014 – Bahia
2015 – Avaí

Alexandre Gallo
2013/14 – Seleções de base (Ápice)
2015 - Al-Qadisiyah (Arábia Saudita)

Andrade
2009/2010 – Flamengo (Ápice) – Campeão brasileiro
2010 – Brasiliense-DF
2011 – Paysandu-PA
2012 – Boavista-RJ
2014 – São João da Barra-RJ
2015 – Jacobina-BA

Péricles Chamusca
2002 – Brasiliense – Vice-campeão da Copa do Brasil
2004 – Santo André (Ápice) – Campeão da Copa do Brasil
2005 – Goiás
2005 – Botafogo
2005/2009 – Oita Trinita
2009 – Sport
2010 – Avaí
2010/11 - Al-Arabi
2011/12 - Al-Jaish
2013 - Portuguesa
2013 - Coritiba
2014 - Jubilo Iwata
2015 - Al-Gharafa

Jaime de Almeida
2010/13 – Flamengo (assistente)
2013/14 – Flamengo – Campeão da Copa do Brasil de 2013 e Carioca em 2014
2015 – Flamengo (assistente)

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