Jefferson da Fonseca Coutinho /Estado de Minas

Duas amigas, “quase irmãs”, unidas na paixão: o futebol. Neste Dia Internacional da Mulher, para Karine Amorim e Mariana Martins, é domingo de gol. É dia de ver jogar o time de escudo tatuado no avesso da pele. Para as duas, é amor de infância, herança de sangue. Soubessem os meninos da bola, de uma camisa e da outra, da gana de vitória das duas meninas hoje, especialmente hoje, eles devorariam a grama com a fome dos pés descalços nos campinhos da periferia. São mulheres, senhores. Conhecem o “muito” como ninguém: amam mais e sofrem demais.

Hoje é dia de vencer em dobro. Quem disse que as quatro linhas são assunto apenas de garotos? Karine, de 28 anos, e Mariana, de 20, sabem de futebol melhor que comentaristas a rodo. Elas são capazes de escalar elencos de outrora e reviver grandes feitos. Sabem bem quem joga, quem está devendo e quem tapeia. Karine é advogada. Mariana é produtora. Mesmo com a dedicação de uma vida aos estudos e ao trabalho, as duas não abrem mão de tempo para acompanhar todos os jogos dos dois maiores clubes de Minas Gerais. Quando não estão no campo, dão jeito qualquer para não perder nenhum lance das partidas.

Mariana já teve até passagem pelo time feminino do Galo. Adolescente na época, ela não teve tempo para se dedicar o tanto que gostaria. Pelo Centro Taffarel de Futebol, a lateral-esquerda levou o time ao segundo lugar da Copa Alterosa. Já Karine encarou o futebol nas aulas de educação física, mas entendeu cedo que as arquibancadas seriam o seu lugar de destaque. Afinidade e amizade em qualquer tempo e ocasião, só não tem acordo quando o assunto é o melhor time do Brasil.

“O Galo está no meu sangue. É um amor inexplicável. É um relacionamento. Ele erra, eu sofro. Choro, mas perdoo. E amo ainda mais. Eu posso falar mal. As outras pessoas não”, diz Mariana. Karine não demonstra amor menor pelo Cruzeiro: “É o time que me dá muitas alegrias. Que me faz perder muitas horas da minha vida e muito dinheiro também, mas vale a pena porque a felicidade é sempre maior”, afirma.

No Dia Internacional da Mulher, Karine e Mariana chamam a atenção para a necessidade de mais respeito e dignidade. Futebol à parte, as duas ressaltam que falta bastante ao universo feminino. “Remuneração, por exemplo. Muitas vezes, somos muito mais qualificadas e recebemos bem menos que os homens. Não está certo”, critica Karine. A advogada lamenta ainda mais a gravidade de atos de violência contra a mulher em várias partes do mundo. “É triste.”

LUTA

Para Mariana, não se trata de apenas um dia diferenciado no calendário. “Não é para apenas uma data. Uma semana, um mês. Tem que ser permanente. E não só para as mulheres. Tem que ser para reforçar a luta contra qualquer ato de discriminação e preconceito”, considera. A produtora lamenta as “mínimas atitudes”, como quando o assunto é futebol. “Sinto-me discriminada várias vezes numa roda de homens. Por que não pode ser natural que uma mulher também entenda de futebol?”

Longe das galerias de paixão e grito, Karine e Mariana discordam pouco ou quase nada. Daí a amizade fortalecida a cada temporada, “apesar dos pesares”. “Amizade é respeito e confiança. É aquela pessoa que se alegra com todas as suas conquistas”, diz Karine. Mariana rebate em tom de brincadeira: “Nem sempre”. Karine completa: “Tirando o futebol. Aí não tem jeito”.

Mariana entende que amizade é amor. “É amar independentemente do que a pessoa é. Até cruzeirense pode ser”, provoca. Lado a lado com a amiga – as duas “embandeiradas” com seus mantos sagrados –, em paz, Mariana é também a força do abraço: “A amizade é o irmão que você escolhe”. Ainda que cada vez mais distante, ao menos em Minas, as duas têm sonho comum para os dias de clássico: as torcidas “juntas e misturadas”, sem violência, no respeito à paixão uns dos outros.