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7/3/2015 18:03

A vanguarda de Minas: Clubes do Estado foram destaque em 2014

Em três anos, Cruzeiro e Atlético saíram do limbo para o topo do futebol nacional. E, acima da rivalidade, pretendem consolidar seu protagonismo com gestão eficiente, craques formados na base, dois goleiros de seleção e mais títulos

A vanguarda de Minas: Clubes do Estado foram destaque em 2014
Victor e Fábio, a segurança nos gols de Atlético-MG e Cruzeiro | Crédito: Pedro Silveira

Converse com um mineiro. É provável que em menos de 5 minutos de prosa ele já tenha se gabado da vocação de Minas Gerais ao pioneirismo e à vanguarda. Se o assunto for futebol, então, o torcedor dessas bandas tem bons motivos para exaltar suas raízes. Cruzeiro e Atlético estão no topo. O escritor Otto Lara Resende definiria que “Minas está onde sempre esteve”. Mas os maiores clubes do estado jamais haviam alcançado ao mesmo tempo um patamar tão esplendoroso como o dos últimos dois anos.

Em 2013, a inédita conquista da Libertadores pelo Atlético, que ainda ganharia a Recopa Sulamericana e a Copa do Brasil no ano seguinte, e o título brasileiro do Cruzeiro, que voltava a ganhar uma competição nacional depois de dez anos e celebraria o tetra em 2014, puseram os dois gigantes mineiros em evidência.

Ao menos na bola, Minas passou a ser visto como “o Brasil que dá certo”. O desafio agora é sustentar nos trilhos o trem da bonança, mesmo com receitas e orçamentos inferiores aos de clubes como São Paulo, Corinthians e Internacional, concorrentes na Libertadores 2015. E os trunfos para reforçar a soberania misturam traços da mineiridade ambiciosa ao velho espírito conciliador que tenta situar a razão acima da rivalidade.

Cruzeiro conquistou o tetracampeonato brasileiro, seu oitavo nacional | Crédito: Eugênio Sávio

TEORIA DO ESPELHO

Há mais semelhanças do que diferenças no presente de Atlético e Cruzeiro. Apesar de terem perdido as peças mais importantes de seus processos de reconstrução — Ronaldinho, Bernard e Tardelli de um lado; Ricardo Goulart, Everton Ribeiro e Lucas Silva, do outro —, ambos vêm conseguindo manter um padrão de jogo. No comando, os treinadores têm crédito. Com quase três anos de casa, Cuca era o técnico mais longevo do Atlético desde a década de 80 até receber uma oferta milionária da China. A escolha por Paulo Autuori como substituto se mostrou equivocada, mas Levir Culpi não demorou a encobri-la, sobretudo ao abolir a concentração. Já Marcelo Oliveira dirige o Cruzeiro desde 2013 e tem contrato até o fim deste ano. Dois técnicos atualizados, apegados à organização e ao futebol ofensivo.

Os mineiros também contam com dois goleiros experientes e identifcados com a torcida. Victor foi o herói da conquista da América, integrou a seleção brasileira na última Copa do Mundo e disputa seu terceiro torneio continental pelo Atlético.

“Continuidade é tudo. Ter mantido o grupo de 2012 foi fundamental para o clube ganhar a Libertadores. A exposição do nosso trabalho aumentou. Hoje posso dizer que representei o Brasil em uma Copa. E devo isso ao Atlético”, diz o camisa 1.

Fábio, 34, é o capitão cruzeirense, já recebeu boas propostas para deixar a Toca da Raposa, mas acaba de completar dez anos como titular do time. “Poucas equipes no Brasil conseguem manter o mesmo goleiro por mais de uma temporada”, diz. “Isso gera instabilidade no grupo, é uma posição de confiança. Permaneci porque o Cruzeiro nos dá condições de ganhar mais títulos.”

Estrutura é outro ponto que aproxima os rivais. A Toca da Raposa e a Cidade do Galo estão entre os melhores centros de treinamento do país e receberam Chile e Argentina, respectivamente, durante o Mundial. Com suporte para a formação de talentos, eles colhem frutos na base. Dos elencos atuais, pelo menos oito jogadores de cada clube são pratas da casa. Há cautela, no entanto, para amadurecê-los e aproveitá-los paulatinamente no time principal. “O jogador se escala com seus números”, explica Levir. “O Jemerson, por exemplo, é jovem e virou titular. Usar os garotos da base é ótimo para o clube, mas vai de acordo com o desempenho e a evolução individual.”

Cidade do Galo tem uma grande estrutura | Crédito: Bruno Cantini

Enquanto clubes de São Paulo chegam a gastar até 25 milhões de reais por ano com as categorias de base, Atlético e Cruzeiro, juntos, desembolsam menos de 15 milhões. Desde o fim de 2011, as diretorias adotaram uma política de enxugamento de custos e direcionamento das receitas para o futebol profissional. Apesar das dívidas que achatam o orçamento, realidade comum à maioria dos clubes brasileiros, os grandes de Minas passaram a conviver com uma rotina de salários em dia — e não de atrasados, como no passado —, ganhando prestígio no mercado. Em 2012, o Atlético resgatou o futebol de Ronaldinho Gaúcho. No ano seguinte, foi a vez de o Cruzeiro anunciar medalhões como Diego Souza e Júlio Baptista e vencer a disputa pelas contratações de Ricardo Goulart e Everton Ribeiro. “Com estrutura, salário em dia e organização, é muito difícil um jogador recusar o Cruzeiro”, afirma o volante Tinga.

A toca da raposa também tem grande estrutura | Crédito: Divulgação


Embora tenha perdido os craques dos dois últimos títulos brasileiros no início da temporada, o clube celeste adota uma postura diferente da época em que era comandado pela família Perrella. A prioridade é a montagem e manutenção de times competitivos, para ganhar títulos e dar fôlego à meta de atingir 100.000 sócios-torcedores, em vez de fazer fortuna vendendo ídolos. Nas negociações de Everton Ribeiro, Ricardo Goulart e Lucas Silva, em todos os casos, o martelo só foi batido por desejo dos jogadores diante de propostas irrecusáveis do exterior. Tal qual Diego Tardelli, que trocou o Atlético pelo chinês Shandong Luneng. Pelo lado alvinegro, a meta é zelar pela ascensão continental. Antes de 2014, o clube nunca havia participado de duas Libertadores consecutivas. E agora encara sua terceira em três anos. O bom momento de Atlético e Cruzeiro respinga nas contas.A dupla já está entre os cinco clubes que mais faturam com dinheiro da televisão fechada e as maiores carteiras de assinantes de pay-per-view no Brasil. Mas levou tempo para entenderem que dividir holofotes é um negócio bem mais rentável do que se esbaldar nas penúrias do lado oposto.

DE INIMIGO A APENAS RIVAL

Rivalidades, principalmente as regionais, movem o futebol e os clubes. Para o bem e para o mal. Em Minas Gerais, o embate nem sempre foi dos mais edifcantes. Nas últimas duas décadas, Atlético e Cruzeiro teimaram em discordar, especialmente nos períodos em que Alexandre Kalil e Zezé Perrella presidiram os clubes. Briga por reforços, porcentagem de ingressos, fatia de lucro no novo Mineirão, que fez o alvinegro optar pelo Independência, e divergências no antigo Clube dos 13 expandiram as trincheiras para além do campo. “Eu quero que o futebol mineiro se f…! Quero o Cruzeiro na série D”, disse o ex-mandatário atleticano à PLACAR, no fim de 2013. Um resumo do sentimento mútuo nutrido por várias gestões de lado a lado, mas que se acentuou em 2011, o ano em que o único consolo de ambas as partes era ver o tropeço do rival.

“A rivalidade faz com que seu estímulo para superar o oponente cresça”, afirma o flósofo e educador Mario Sergio Cortella. “Mas, por outro lado, ela pode fazer com que você gaste forças com coisas de menor importância. Se a recíproca for verdadeira, vira um embate em que só há perdedores.” Foi o que aconteceu com Atlético e Cruzeiro naquele ano. No Brasileiro, brigaram até o fim do campeonato contra o rebaixamento. Os atleticanos se livraram pouco antes de os cruzeirenses chegarem à última rodada precisando da vitória para escapar da degola, justamente contra o maior rival. A chance de rebaixar o time celeste pela primeira vez não impediu que o Atlético sucumbisse à goleada de 6 x 1 em um clássico que entrou para a história. Não na parte nobre dos confrontos que rendem troféus, mas como um divisor de águas. Os dois clubes terminaram 2011 abraçados no atoleiro da melancolia.

O clássico da virada, em 2011 | Crédito: Eugênio Sávio

“Em cidades como Belo Horizonte, com rivalidade demarcada entre dois times, quando um deles perde força, o outro se tranquiliza por um tempo e depois decai. Ter um rival forte é fundamental para tirar os clubes da zona de conforto”, diz Cortella. O goleiro Fábio, que viveu vários capítulos da concorrência estadual, conta que o duelo que sacramentou uma das mais frustrantes campanhas do futebol mineiro em todos os tempos foi o alicerce da reinvenção do Cruzeiro. “Aprendemos muito depois daquele jogo em 2011. Lutamos contra o pesadelo da série B e tiramos lições. O clube percebeu que só retomaria sua grandeza com um time equilibrado e muito planejamento”, afirma. A equipe celeste que começou a ser montada em 2012 foi pensada para os dois anos seguintes. Já o Atlético se apoiava em Ronaldinho e na manutenção da base, que renderam um vice-campeonato brasileiro e o retorno à Libertadores. Não necessariamente unidos, mas irmanados na missão de se equipararem às potências nacionais, os rivais cresceram paralelamente em um cenário de incertezas.

Apesar de a economia mineira ter sido a única entre os maiores estados a aumentar sua participação no PIB brasileiro de 2002 a 2010, Minas Gerais caiu do terceiro para o sexto lugar no ranking de competitividade, segundo o Centro de Liderança Pública. Ainda assim, Atlético e Cruzeiro inverteram a lógica econômica local. Com faturamento menor, eles se tornaram mais competitivos e superam clubes de Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul.

Em 2013, o Atlético gastou 100 milhões de reais a menos que o Corinthians e conquistou a Libertadores, enquanto o Cruzeiro investiu 157 milhões — ante 248 milhões do clube paulista — para ganhar o Brasileiro. A austeridade financeira se apoia em forças regionais. Eles dividem patrocinadores, empresas nascidas e consolidadas no estado, e recorrem a investidores locais, como o banco BMG e os Supermercados BH, na hora de contratar. E têm se lançado cada vez mais sobre o interior para incrementar o faturamento, já que Minas conta com o maior número de municípios do Brasil. Se antes regiões como a Zona da Mata, o Sul e o Triângulo abrigavam o predomínio de times cariocas e paulistas, hoje Cruzeiro e Atlético têm maior penetração em seu território.

“Sempre fomos influentes em todo o estado, mas agora os torcedores do interior consomem mais a nossa marca”, diz Marcone Barbosa, diretor de marketing do Cruzeiro, que pretende criar este ano uma modalidade de sócio-torcedor exclusiva para quem não mora na capital.

Os mineiros ainda sinalizam com uma trégua fora dos gramados após o fim de mandato de Alexandre Kalill. Na decisão da Copa do Brasil, a primeira final de peso protagonizada pelos rivais, Kalil entrou em choque com o presidente do Cruzeiro, Gilvan de Pinho Tavares, por causa do mando de campo e da divisão de ingressos. O conflito resultou em um público total de 58.364 torcedores nos dois jogos, número inferior à capacidade do Mineirão.

Agora, com o novo presidente Daniel Nepomuceno, o Atlético já admite a possibilidade de se aliar ao rival para negociar com a concessionária Minas Arena, barganhar o valor do aluguel e mandar mais partidas no estádio. Advogados, o pai de Nepomuceno e Gilvan cultivaram estreito relacionamento nos tribunais. A amizade familiar indica um avanço na convivência entre os clubes. “Respeito o Gilvan e converso bastante com ele. Estou aqui para defender os interesses do Atlético, mas isso não impede uma relação cordial com o Cruzeiro”, diz Nepomuceno.

É difícil imaginar uma temporada tão imponente para os gigantes de Minas como a de 2014. Mas, por enquanto, os dois lados compartilham o entendimento de que a comunhão no auge é o segredo para conservar a hegemonia nacional.

NA ESTEIRA DOS GRANDE

América e clubes do interior também deslancharam

O último ano não foi fértil somente para Cruzeiro e Atlético em terras mineiras. O Tombense ganhou a série D e o Tupi chegou às quartas da Terceirona, enquanto Boa Esporte e América-MG ficaram a uma vitória da elite, sendo que o time da capital ainda lidou com a perda de 6 pontos no tapetão. Resultados que coincidem com a reestruturação da Federação Mineira.

Em 2014, a entidade elegeu nova diretoria, que conseguiu desbloquear receitas na Justiça e abrir uma conta bancária. “Antes o carro-forte parava na porta do prédio. Dinheiro, aqui, só chegava em espécie”, conta o diretor Paulo Bracks. Com o alívio fnanceiro, a Federação aboliu a cobrança da taxa de participação no Campeonato Mineiro, o que representa uma economia de cerca de 10.000 reais por jogo para cada equipe. “Temos uma visão empresarial de gestão, calendário enxuto no Estadual e as portas abertas para o diálogo com dirigentes. Isso reflete no desempenho dos clubes”, diz Bracks.

Tombense sagrou-se campeão da série D em 2014 | Crédito: Pedro Vilela

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